sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Também gosto de bolachas "Belgas"!!

Música que aquece o coração (Maria João > Mário Laginha)







"Quem bem quer contar, deve contá-lo em forma de conto, ou então não conte nada"

O meu bem haja para a Ana (autora do texto abaixo)

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Quarta-feira, 28 de Novembro de 2007


O sonho do psicanalista


O psicanalista sonhou o sonho da sua vida e nesse sonho era ele que se deitava no divã. Falava para o tecto. Não demorou a perceber que afinal falava consigo próprio, pois também ele se sentava na cadeira do psicanalista.No sonho sonhava que se deitava, embora já estivesse deitado. No fundo, a sensação era a de se afundar mais um pouco no divã. Sentia-se extremamente confortável. Pedia: "Analise-me!" e o psicanalista retorquia: "Analise você!". Um deles olhava para o tecto, o outro olhava para o primeiro.Silêncio, um silêncio profundíssimo e ele um pouco mais deitado do que antes, no fundo de si mesmo, cada vez mais no fundo. Uma voz pedia-lhe: "Fale-me dos seus sonhos!" e ele reclamou silêncio, um pouco mais de silêncio, ainda mais silêncio, o maior silêncio de todos. Explicou: "Aquele silêncio que vem de dentro e é opaco, impenetrável". Ele deitado no divã e sentado na cadeira: via-se a si próprio na posição do outro e já não sabia quem era.Quis falar de um sonho e tentou lembrar-se de um. Contou que estava deitado num divã, que pedia ao psicanalista: "Analise-me!" e que este lhe retorquia: "Analise você!". Depois disse que afinal aquilo não era um sonho, que era o momento dentro do sonho e que portanto era real. Tentou falar de outros sonhos e, quando abriu novamente a boca, não tinha voz. O psicanalista deixara de o ouvir, observava-o apenas. Ele deitado no divã a esbracejar, sem uma palavra para dizer.(Visto assim, do lugar do psicanalista, o psicanalisado mais parecia um náufrago. Morreria afogado no divã a qualquer momento.)O psicanalista ainda disse: "Fale-me de um sonho que não esse!" e o outro, cada vez mais deitado, queria dizer-lhe bem alto: "Só conheço os sonhos dos outros", mas a sua boca não produzia sons.Na manhã seguinte, o psicanalista acordou no seu próprio divã e não conseguia levantar-se. Agitava os braços no ar, agarrava-se às almofadas, mas tudo parecia afundar-se com ele. Era o divã que o engolia e o psicanalista, quando se cansara da luta, deixou-se estar naquela enorme boca.Tinha a esperança de que se tratasse de um sonho dentro do sonho.Mas era evidente que não.O psicanalista não sabia nada sobre o seu universo onírico. De facto, só conhecia os sonhos dos outros, alimentava-se deles, vivia para eles. E naquele dia, os outros – unidos por aquele divã e já sem sonhos para sonhar – comiam-no vivo. Para terem os seus sonhos de volta.
(O chamado sonho contra sonhador.)


Publicada por pessoana

(http://www.belgavista.blogspot.com )

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