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"O chá do Lu"
Três vezes por semana subia as escadas de corrimão de madeira. Três vezes por semana às três da tarde. Tocava a campainha e esperava alguns instantes até ouvir os passos arrastados no soalho. A porta abria-se. E entrava no corredor escuro que cheirava a cera e alfazema. Verificava as botijas de oxigénio. As caixas de medicamentos. Depois abria a torneira da banheira e preparava-lhe o banho. Com os sais cor de rosa, pedia a mulher. Os que o meu filho me deu no dia da mãe. Ajudava-a a despir. E colocar a touca de borracha com flores. Depois sem olhar para o corpo nú e velho ajudava-a a entrar na banheira. Lentamente passava a esponja na pele flácida. A mulher velha queixava-se das dores nas pernas. Da falta de memória. Da dificuldade em mastigar a carne. E do tempo. Não do que já não tinha. Mas do que lhe trazia a chuva. A mesma que culpava pelas dores. No fim, vestia-lhe o pijama de flanela que uma prima lhe comprara na retrosaria da terra e penteava-lhe lentamente o cabelo que um dia fora farto e tivera cor. Quer um chá? Perguntava enquanto lhe calçava as pantufas de pêlo. E os olhos pequenos e negros da velha iluminavam-se. Porque sabia que era hora do lanche. A hora em que podia recordar. Mesmo as estórias que lhe aconteciam na memória cheias de hiatos e pessoas sem rosto nem nome. Ela servia-lhe o chá nas chávena de flores amarelas. Colocava-lhe um guardanapo no colo e pegava-lhe nas mãos frias cheias de manchas. E era nesse preciso momento que tinha pena. De não se lembrar como se fazia ponto de meia. Como a mãe um dia lhe ensinara.
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PS: Encontrei este post tão simples e belo.
Resolvi inseri-lo no meu blogue.
Clique no nome "Chá de cidreira" para ver a origem do mesmo.
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