quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A água dos nossos tormentos...

Hoje, em Portugal, é....


                 DIA NACIONAL DO MAR
e... 
veio-me à lembrança um lindo texto de Raul Machado, que transcrevo:


Poema da água



A água também nasce pequenina 
- nasce gota de orvalho ou de neblina... 

A água também tem a sua infância 
- quando apenas riacho cantarola 
brinca de roda nos redemoinhos 
salta os seixos que encontra 
e faz apostas de corrida - travessa - 
por entre as grotas e penhascos 
e arranca as flores que a marginam 
para engrinaldar a cabeleira solta 
sobre o leito revolto das areias... 

A água também tem adolescência 
- sonha lagos românticos à lua 
fitando os astros namorados dela 
embevecida em seus olhos de ouro... 
e assim sempre amorosa e sonhadora 
vai tecendo e bordando - dia e noite 
o seu vestido de noiva nas montanhas 
e o seu véu de noivado nas cascatas... 

A água também tem maturidade 
- fica serena e grave em rios fundos 
e num destino generoso e amigo 
espalha a vida que em si mesma encerra 
semeia bençãos para o grão de trigo 
abre caminhos líquidos da terra 
e enlaça os povos através dos mares... 

A água também tem sua velhice 
-e de ver-lhe os cabelos muitos brancos 
onda lenta de espuma destrinçada em neve, nos ares flutuando... 

A água também sofre...e quando sofre 
se faz divina e vem brilhar em lágrimas 
ou se reflete a dor da natureza 
geme no vento transformada em chuva. 

A água também morre...e quando seca 
- e a sua morte entristece tudo : 
choram-lhe, enfim na desolação, 
todos os seres vivos que a rodeiam 
porque ela é o seio maternal da vida 
e de tal maneira ama seus filhos rudes 
que muitas vezes para os salvar se deixa 
ficar sem o murmúrio de uma queixa 
prisioneira de poços e açudes... 

Bendita seja, pois, água divina 
que fecunda, consola, dessedenta, purifica, 
e que, desde pequenina, 
feita gota de orvalho, 
mata a sede das plantas entreabertas 
e prepara o festivo esplendor da primavera... 
e que, nascida em píncaros da serra 
vem de tão alto, procurando sempre ter 
um fim de planície e de humildade 
até perder, na última renúncia, 
o nome de batismo de seus rios 
para ficar anônima nos mares. 

(RAUL MACHADO)


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