quinta-feira, 7 de abril de 2011

Crises...


O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. 
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. 
O amor comeu meus cartões de visita. 
O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome. 
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. 
O amor comeu metros e metros de gravatas. 
O amor comeu a medida de meus ternos, o número de 
meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. 
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. 
Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas meus raios-X. 
Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. 
Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. 
Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, 
escovas, tesouras de unhas, canivete. 
Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: 
meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de 
água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. 
Bebeu a água dos copos e das quartinhas. 
Comeu o pão de propósito escondido. 
Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios d'água.

(João Cabral de Melo Neto)


*****
Tudo isso o Amor comeu!
O resto irá ser, pouco a pouco, comido,
reduzido até à pele e ao osso, pelos...
-  Déficit;
- Dívida externa;
- Juros da dívida;
- Ratings;
- E.t.c.; e.t.c.; e.t.c....
***************    DA MALDITA CRISE **************

1 comentário:

  1. Joe Ant!
    Eu espero sinceramente que Portugal possa se recuperar desta triste crise, que com certeza preocupa todo o seu povo.
    Abraço!

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