sexta-feira, 1 de abril de 2011

Mãe-Preta...


NAKALULA...

A menina estava a morrer. Estava a morrer de fome. Corria entre eles que o quimbanda dos brancos tinha dito que só o leite de mulher a podia salvar, mas que a senhora não tinha leite. E na noite sereníssima, gorda e empapaçante de calor, ferida de quando em quando pelo ladrido distante dos chacais ou pelo gargalhar cínico da hiena, chegavam-lhes tenuíssimos vagidos de criança, como perfume evolado de uma pobre planta moribunda, a cujas raízes não chegasse uma gota de água.

Havia três dias que os braços de Nakalula estavam ermos. Os seios, inchados de leite, doíam-lhe, mas não tanto como o vazio que a morte do filho lhe deixara no coração. Era um vazio alucinante, maior do que a falta do seu homem, do que a falta de tudo que violentamente fora arrancado da sua vida e que ficara a brilhar lá longe, nas funduras verdes do sertão, nos infinitos recôncavos da sua saudade.

Aquele vazio era outro. Eram os seus breços e os seus seios frustrados na pujança animal de ser mãe. Nesse vazio apenas tinha um sentido coordenado, a recordação da cena em que D. Auta, com Murique nos braços, embalando-o, esperava a chegada do Dr. Balsemão. Sim, ela fora mãe para o seu filho...

A solidão da noite tornava mais claro o choro que vinha de dentro da casa. Os seus seios doíam-lhe, inchados de leite, os seus braços estavam vazios, o seu coração precisava do amor de uma criança.

Atravessou o quintal, subiu a varanda e a alta figura desempenada e elegante, de ganguela, desenhou-se no rectângulo da porta do quarto onde Bébé chorava no seu berço.

Nakalula, a passo firme, avançou até ao berço, pegou na Bébé por um braço, como fazia a Murique, acocorou.se e, num ritual velho, velhíssimo, desde os primórdios das raças humanas, começou a dar-lhe de mamar. A mãozita de Bébé, assente no seu peito, parecia uma rosa da roseira do quintal, caída num precioso estofo de cetim negro.

A cena foi tão rápida, e imprevista, que D. Auta, pregada ao chão, só conseguiu balbuciar:
- Sofia!

E as lágrimas caíam-lhe, abundantes, pelas faces, embargando-lhe as palavras.

In "Romance da Ama Negra"
LÍLIA DA FONSECA

2 comentários:

  1. Que lindo!
    Eu penso que ao amamentar os filhos dos seus senhores, as "amas" davam mais do que leite, davam também suas histórias de vida e com muito amor acolhiam aqueles filhos.

    ResponderEliminar