quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Alimento e Arte - II

(Clique na imagem para ampliar)

Vejamos algo bem concreto e evidente. Partamos de algo irrefutável e presente na vida de cada um. Desde que nascemos, a necessidade mais radical é comer. O choro do recém-nascido já indica sobretudo fome. Mas façamos da fome algo poético-ontológico e não meramente físico. Façamos do comer, do alimentar-se, a necessidade radical e essencial. Mas o que acontece com o comer e com a comida, em todos os tempos, em todos os povos, em todas as idades? Ninguém simplesmente come para acabar com a fome. Há a preparação da comida. Há até um certo ritual. À preparação da comida se denominou e denomina arte culinária. O que esta faz com a comida? Em que é que ela consiste? O importante a perceber aqui é que o “cuidado”, enquanto arte, com a comida precede o simples comer e “satisfazer” a necessidade. A arte culinária não acrescenta algo à comida física. Pelo contrário, o cuidado, a Cura, já mostra um outro horizonte em que se move o satisfazer a necessidade de comer. Ou seja, o comer é muito mais do que a satisfação “física”. A comida antes de ser um utensílio que satisfaz à necessidade de comer, antes de ser útil, ela é arte culinária. Mas aí notamos algo extraordinário. O âmbito do “útil” (ou seja, do utensílio) tem sua medida de satisfação e de alimentação não em si, mas na medida inerente à arte culinária. O ser humano já se move no cotidiano ato de comer num horizonte poético-ontológico. Alimentar-se para ele é um alimentar no horizonte da arte. O culinário diz aí um modo de arte. Os ritos de comer, os próprios ritos das primícias já mostram como a própria arte de comer já se inscreve em algo bem mais complexo e essencial, onde não há separação de modo algum entre o físico, o psíquico e o espiritual. As próprias obras de arte – música, canto, vestes, pinturas, instrumentos musicais, dos ritos – sempre estiveram ligadas a esses rituais e festas. E em todas as festas sempre estão presentes as comidas, a mesma arte culinária a tudo integrado. E o sagrado a tudo reúne, porque em sua vigência comparece vida e morte, como essência e vigor de manifestação, alimentação e vitória da vida diante da morte. A arte se integra à vida de tal modo que o viver é, poético-essencialmente, fazer da vida uma total obra de arte. É nesse sentido essencial que as obras de arte são sempre alimento.


3 comentários:

  1. Por onde anda Joe...sinto a sua falta no Doceteraje. Bjs

    ResponderEliminar
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  3. Ando por cá.
    Alimentando-me com arte,
    escalando montanhas e,
    sobretudo, preguiçamdo.
    É bom saber que alguém sente
    falta de nós.
    Por outro lado, isso é mau, pois como humanos podemos falhar.

    ResponderEliminar